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A CONTROVÉRSIA ENTRE BELARMINO E OS DOMINICANOS

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 Yuri Fagundes A controvérsia envolvendo o cardeal Roberto Belarmino (1542–1621) e os dominicanos insere-se no contexto mais amplo do debate teológico sobre a predestinação e a relação entre a graça divina e o livre-arbítrio na teologia cristã durante o período da Contrarreforma.  Esse debate girava em torno de como conciliar a soberania absoluta de Deus com a responsabilidade humana na salvação. Contexto Geral No final do século XVI e início do XVII, a Igreja Católica buscava responder às ideias reformistas de Lutero e Calvino, que enfatizavam a predestinação incondicional e a graça irresistível.  Dentro da própria Igreja, havia diferentes correntes sobre como interpretar a cooperação entre graça e livre-arbítrio. Os principais grupos no debate eram: 1. Dominicanos (representados por figuras como Domingo Báñez):  defendiam o tomismo, segundo o qual Deus, em Sua soberania, predestina alguns à salvação desde toda a eternidade.  Essa visão inclui a doutrina da...

SCOTUS: ADEQUAÇÃO POR VIRTUALIDADE E COMUNIDADE

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Yuri Fagundes  A distinção entre adequação por virtualidade e adequação por comunidade, segundo a filosofia de João Duns Scotus (1266-1308), está relacionada à maneira como um conceito universal ou uma ideia comum pode ser apropriada a diferentes sujeitos, mantendo sua unidade enquanto é aplicada à diversidade. Adequação por Virtualidade A adequação por virtualidade ocorre quando um conceito ou uma ideia possui em si a capacidade de englobar ou se aplicar a múltiplas realidades porque tem a virtus (força, potência) para incluir aspectos distintos.  Nesse caso, o universal está de forma implícita nas suas manifestações particulares.  Por exemplo: • O conceito de “animal” inclui virtualmente tanto “homem” quanto “cavalo”. Ainda que o conceito de “animal” não seja idêntico ao de “homem” ou “cavalo”, ele contém uma potência que pode se desdobrar nesses casos particulares. Aqui, o universal tem uma relação de potência com os particulares: ele pode ser especificado sem perd...

O CONCEITO DE CATOLICIDADE NO COMONITÓRIO DE SÃO VICENTE DE LÉRINS

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Yuri Fagundes  O conceito de catolicidade de Vicente de Lérins, expresso em sua obra Commonitorium,  apresenta um critério triplo para a determinação da verdadeira fé cristã:  “o que foi acreditado sempre, em todos os lugares, e por todos” (quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est).  Esse princípio destaca a universalidade, a antiguidade e o consenso como marcas da autêntica tradição cristã.  No entanto, ele também reflete uma visão dinâmica e plural da Igreja, que reconhece a necessidade de discernimento dentro da história e da diversidade das comunidades cristãs. Esse conceito pode ser usado para questionar a ideia de uma “Igreja Una” concebida pelos círculos católicos romanos mais tradicionalistas como uma unidade monolítica, centralizada exclusivamente na autoridade do Papa e na doutrina da Igreja de Roma.  A falácia dessa visão pode ser refutada com base em três pontos principais:   1. Universalidade não restrita a Roma:  Vi...

Metafísica - SCOTUS RESPONDE À OBJEÇÃO DE HENRIQUE DE GAND

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DUNS SCOTUS RESPONDE À OBJEÇÃO DE HENRIQUE DE GAND: A 'UNIVOCATIO ENTIS' É FILOSOFICAMENTE NECESSÁRIA E TEOLOGICAMENTE DEFENSÁVEL  Yuri Fagundes Duns Scotus responde à objeção de Henrique de Gand defendendo a univocidade do ser como uma posição filosoficamente necessária e teologicamente defensável, sem comprometer a diferença essencial entre Criador e criatura.  A seguir, explico os principais pontos de sua resposta: 1. Univocidade como base para o conhecimento e a linguagem sobre Deus Scotus argumenta que, para que possamos conhecer e falar racionalmente sobre Deus, deve haver um conceito comum de “ser” aplicável tanto a Deus quanto às criaturas.  Caso contrário, não seria possível fazer qualquer afirmação verdadeira sobre Deus, uma vez que a linguagem usada para descrever as criaturas não teria relação significativa com a realidade divina. A univocidade do ser, segundo ele, é necessária para assegurar uma base comum mínima entre Criador e criatura.  Isso não impli...

Metafísica - A DIFERENÇA PRIMAZ ENTRE CRIADOR E CRIATURA

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  A OBJEÇÃO DE HENRIQUE DE GAND DE QUE A 'UNIVOCATIO ENTIS' DESTRÓI A DIFERENÇA PRIMAZ ENTRE CRIADOR E CRIATURA Yuri Fagundes Henrique de Gand, teólogo e filósofo escolástico medieval, criticou a ideia da “univocatio entis” — a noção de que o conceito de ser (ens) é aplicado de maneira unívoca tanto a Deus quanto às criaturas.  Essa ideia foi mais tarde associada à filosofia de Duns Scotus.  Segundo Henrique de Gand, tal abordagem compromete a distinção essencial entre o Criador (Deus) e a criatura (o mundo criado), que ele via como fundamental para a teologia cristã. A objeção de Henrique de Gand 1. Destruição da transcendência divina Henrique argumentava que a univocidade do ser tratava Deus e as criaturas como estando no mesmo plano ontológico.  Ao aplicar o conceito de “ser” igualmente a ambos, corre-se o risco de obscurecer a infinita diferença qualitativa entre Deus, que é o ser necessário e infinito, e as criaturas, que são seres contingentes e finitos. ...

Metafísica - SCOTUS: O CARÁTER TRANSGENÉRICO DE "ENTE"

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— Ludger Honnefelder Com esse resultado Scotus ainda não vê de forma alguma eliminada a objeção de que a predicabilidade unívoca de "ente" traz para si a aporia que já Aristóteles associou à tese do "ente" como um universal (de gênero).  Afinal, em Ord. I, d. 3, p. 1, q. 3, no âmbito da simplicidade de Deus, ele trata propriamente do problema lançado por Aristóteles e aborda, em Ord. I, d. 8, p. 1, q. 3, a objeção orientada na argumentação de Henrique de Gand de que a 'univocatio entis' destrói a diferença primaz entre criador e criatura. De Aristóteles Scotus adota tanto o argumento de que um gênero não pode ser dito de suas diferenças, e por isso mesmo "ente" não pode ser gênero, uma vez que, de outro modo, as diferenças específicas são "não-ente" (cf. Ord. I, d. 3, p. 1, q. 3, n. 152; ed. Vat. III 94), como a conclusão ligada a isso de que "ente" não é predicado univocamente, sua utilização (tal como no exemplo "saudável...

A Participação do Homem na Sua Salvação

Não se pode afirmar que a Salvação, o Perdão dos pecados e a Santificação, realizados pela obra Salvífica de Cristo, não sejam aplicados ao homem senão exteriormente, mecânica ou magicamente. Não. Segundo a Doutrina Ortodoxa, é preciso que o próprio homem nela colabore que se aproprie ativamente do que Cristo cumpriu objetivamente, que ele penetre por si mesmo na nova vida que surgiu neste mundo com Cristo. É necessário seguir a prescrição de São Paulo: "Assim também operai a vossa salvação com temor e tremor" (Fl.2, 12).  Em que é que consiste essa ativa participação do Homem na sua Salvação?   A resposta da Igreja Ortodoxa não é outra senão a expressão do seu pensamento ascético da vida. "E desde os dias de João o Precursor (Batista) até agora, faz-se violência ao Reino dos Céus, e pela força se apoderam dele" (Mt 11, 12), disse Cristo. Por outras palavras: a participação ativa do homem na sua Salvação consiste em travar duros combates com as Paixões, com a nature...

Metafísica - DUNS SCOTUS: DISTINÇÃO FORMAL E DISTINÇÃO MODAL

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João Duns Escoto (1266-1308), conhecido como o “Doutor Sutil”, desenvolveu conceitos inovadores no campo da metafísica e teologia. Entre esses conceitos, destacam-se a distinção formal e a distinção modal, que visam esclarecer as relações entre os aspectos constitutivos de um ente e resolver problemas filosóficos sobre a individuação e a relação entre essência e existência. 1. Distinção Formal A distinção formal (distinctio formalis ex natura rei) é uma distinção que ocorre antes do ato mental, mas não implica em separação real. Ela reside na própria realidade das coisas, independentemente de como a mente as concebe. Características: • Intrínseca à natureza do ente: É uma distinção que se fundamenta na própria essência do objeto. • Aplicação: Utilizada para explicar como diferentes aspectos de uma realidade única podem ser distintos sem serem realmente separados. Por exemplo, em Deus, a essência divina e as Pessoas da Trindade são formalmente distintas. Em um ente criado, como ...

SEITAS E HERESIAS - As primeiras seitas derivadas do cristianismo

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  5 das primeiras seitas cristãs mais estranhas que já existiram N os dois primeiros séculos da era cristã, o Novo Testamento ainda não havia sido finalizado e a declaração definitiva de crença ortodoxa, o  Credo Niceno , ainda estava longe de acontecer. O mundo romano foi o lar de muitas seitas rotuladas como "cristãs", mas que tinham doutrinas muito diferentes. Se você acha que algumas [seitas] cristãs modernas são confusas, elas vão parecer extremamente simples perto dessas que você verá a seguir.   5 – Os Simonianos Os Simonianos tinham esse nome, pois eram seguidores de Simão, o Mago, um personagem bíblico que foi repreendido pelo apóstolo Pedro (At. 8, 9-24) em Samaria. O texto bíblico narra o episódio em que Simão tenta comprar dos apóstolos o poder de operar milagres. Tal ato, considerado pecaminoso pela teologia cristã, foi denominado de simonia (ato de Simão), termo que define especificamente o comércio ou tráfico de coisas sagradas e espirituais, tais como sacr...