A DIFERENÇA PRIMAZ ENTRE CRIADOR E CRIATURA
A OBJEÇÃO DE HENRIQUE DE GAND DE QUE A 'UNIVOCATIO ENTIS' DESTRÓI A DIFERENÇA PRIMAZ ENTRE CRIADOR E CRIATURA
Yuri Fagundes
Henrique de Gand, teólogo e filósofo escolástico medieval, criticou a ideia da “univocatio entis” — a noção de que o conceito de ser (ens) é aplicado de maneira unívoca tanto a Deus quanto às criaturas.
Essa ideia foi mais tarde associada à filosofia de Duns Scotus.
Segundo Henrique de Gand, tal abordagem compromete a distinção essencial entre o Criador (Deus) e a criatura (o mundo criado), que ele via como fundamental para a teologia cristã.
A objeção de Henrique de Gand
1. Destruição da transcendência divina
Henrique argumentava que a univocidade do ser tratava Deus e as criaturas como estando no mesmo plano ontológico.
Ao aplicar o conceito de “ser” igualmente a ambos, corre-se o risco de obscurecer a infinita diferença qualitativa entre Deus, que é o ser necessário e infinito, e as criaturas, que são seres contingentes e finitos.
2. Inadequação do conceito humano de ser
Para Henrique, o conceito de “ser” derivado da experiência humana é inadequado para captar a essência divina.
Deus transcende completamente a compreensão humana, e qualquer tentativa de colocar Deus e as criaturas sob uma mesma categoria de ser reduz a transcendência divina, tornando Deus uma entidade comparável às criaturas.
3. A relação análoga do ser
Em vez de uma univocidade, Henrique defendia uma visão de analogia do ser (analogia entis).
Nessa perspectiva, o “ser” é atribuído a Deus e às criaturas de maneira semelhante, mas não idêntica.
Deus é o ser por essência (ser subsistente), enquanto as criaturas possuem ser apenas por participação e dependem ontologicamente de Deus.
Isso mantém a diferença fundamental entre Criador e criatura.
4. Impactos teológicos
Henrique via na univocidade do ser uma ameaça à doutrina da criação.
Se Deus e as criaturas compartilhassem um mesmo conceito de ser, a relação de total dependência das criaturas em relação a Deus seria enfraquecida, comprometendo a primazia divina como fonte absoluta de todo o ser.
Conclusão
Henrique de Gand rejeita a univocidade do ser porque ela não preserva a absoluta diferença ontológica entre Deus e as criaturas.
Para ele, a analogia é a única forma adequada de falar do ser em teologia, pois reconhece tanto a semelhança quanto a desproporção entre o Criador e suas criaturas, salvaguardando a transcendência e a primazia divina.
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