CONTROVÉRSIA PREDESTINÁRIA ENTRE O CATOLICISMO E O PROTESTANTISMO
A CORRESPONDÊNCIA DA CONTROVÉRSIA PREDESTINÁRIA ENTRE O CATOLICISMO E O PROTESTANTISMO
Yuri Fagundes
O impasse entre os jesuítas, representados por Roberto Belarmino, e os dominicanos, representados por Domingo Báñez, no contexto católico da Contrarreforma, tem notáveis paralelos com a posterior controvérsia entre calvinistas e arminianos no protestantismo.
Ambas as disputas giram em torno do desafio teológico de conciliar a soberania divina com a liberdade e responsabilidade humanas na salvação.
Embora desenvolvidas em contextos distintos, as duas controvérsias refletem preocupações comuns sobre predestinação, graça e livre-arbítrio.
Semelhanças Fundamentais
1. Predestinação e Graça
• Dominicanos e Calvinistas:
Tanto os dominicanos quanto os calvinistas enfatizam a soberania absoluta de Deus no processo de salvação.
Para os dominicanos, isso é expresso na doutrina da praemotio physica (ou “moção física”), enquanto os calvinistas defendem a predestinação incondicional e a graça irresistível.
Em ambos os casos, Deus é visto como aquele que determina infalivelmente os eleitos à salvação, sem depender da cooperação humana.
• Jesuítas e Arminianos:
Os jesuítas, especialmente na visão molinista de Roberto Belarmino, e os arminianos defendem a importância da liberdade humana na salvação.
Ambas as tradições rejeitam a ideia de uma predestinação absoluta que exclua a cooperação do livre-arbítrio.
A teoria da ciência média (jesuítas) e a doutrina da eleição condicional (arminianos) sustentam que Deus, em Sua onisciência, prevê as respostas livres do ser humano à graça.
2. Livre-Arbítrio e Responsabilidade Humana
• Tanto os dominicanos quanto os calvinistas tendem a ver a liberdade humana de forma compatibilista, ou seja, a liberdade é definida como agir de acordo com a própria natureza, mas sob a determinação divina.
• Os jesuítas e os arminianos, por outro lado, insistem em uma visão libertariana do livre-arbítrio, em que as escolhas humanas, embora dependentes da graça, não são predeterminadas por Deus.
Isso preserva a responsabilidade moral do indivíduo.
3. Conflitos Teológicos
• Os debates entre jesuítas e dominicanos culminaram na Congregação de Auxilia (1597–1607), assim como as divergências entre calvinistas e arminianos levaram ao Sínodo de Dort (1618–1619).
Nos dois casos, os embates teológicos tentaram definir posições ortodoxas sobre a relação entre graça e livre-arbítrio.
Diferenças Contextuais
1. Ponto de Partida Doutrinário
• O debate entre jesuítas e dominicanos surgiu dentro de um contexto católico, buscando responder tanto às heresias reformistas quanto a questões internas da teologia escolástica.
• A controvérsia entre calvinistas e arminianos ocorreu no âmbito do protestantismo reformado, lidando com as implicações da doutrina calvinista original e respondendo ao que os arminianos consideravam uma visão exagerada da soberania divina.
2. Autoridade Eclesiástica
• No caso católico, a autoridade do papa mediou o conflito, sem uma decisão definitiva.
Isso permitiu a coexistência das posições dominicana e jesuítica.
• No contexto protestante, o Sínodo de Dort condenou oficialmente o arminianismo como heresia, consolidando a ortodoxia calvinista nos países baixos reformados.
Correspondências Substantivas
1. Ciência Média e Eleição Condicional
• A doutrina molinista da ciência média corresponde à visão arminiana de que Deus antecipa as escolhas livres dos seres humanos e predestina com base nesse conhecimento.
Ambas procuram preservar a liberdade humana sem negar a soberania divina.
2. Graça Irresistível e Praemotio Physica
• A noção dominicana de que Deus move eficazmente a vontade humana sem violar sua liberdade é paralela à doutrina calvinista da graça irresistível, que sustenta que os eleitos não podem resistir à ação da graça divina.
3. Preocupação com a Justiça Divina
• Em ambas as controvérsias, as posições que enfatizam o livre-arbítrio (jesuítas e arminianos) buscam proteger a ideia de que Deus não seria injusto ao condenar seres humanos que não tiveram uma oportunidade real de escolher o bem.
Conclusão
Os debates entre jesuítas e dominicanos, bem como entre calvinistas e arminianos, revelam uma tensão teológica central no cristianismo: como harmonizar a soberania de Deus com a liberdade humana?
Embora tenham surgido em tradições e momentos históricos diferentes, essas controvérsias refletem um desafio comum que continua a influenciar a teologia cristã.
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