Metafísica - AVICENA E A TRANSCATEGORIALIDADE DO ENTE

 — Ludger Honnefelder




Avicena (Ibn Sina) desenvolve uma metafísica na qual o conceito de ente (ens) ou coisa (res) é o primeiro conhecido (primum cognitum), ou seja, aquilo que é imediatamente apreendido pelo intelecto antes de qualquer outra determinação. Esse conceito transcende as categorias aristotélicas, pois não pertence a nenhuma delas em particular, mas sim as fundamenta. O ente (ens) é a noção mais universal e indeterminada, abrangendo tudo o que pode ser concebido, seja real ou meramente possível. 

Para Avicena, há uma distinção fundamental entre a essência (mahiyya) e a existência (wujûd): enquanto a essência responde à pergunta “o que é?”, a existência diz respeito ao fato de algo ser ou não ser. A essência, por si só, não implica necessariamente a existência, pois esta depende de um ato de instauração (ijâd), que em última instância provém de Deus. 

Esse conceito tem implicações epistemológicas e ontológicas profundas. Epistemologicamente, significa que o intelecto humano apreende primeiramente o ser de maneira indistinta, antes de analisá-lo em termos de categorias ou atribuir-lhe qualidades específicas. Ontologicamente, fundamenta a distinção entre ser necessário (wâjib al-wujûd), que é Deus, e ser contingente (mumkin al-wujûd), que depende de uma causa para existir. Assim, o ente (ens) ou coisa (res) em Avicena não é apenas um conceito lógico, mas um princípio fundamental da inteligibilidade e da estrutura do real.
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