SCOTUS: O CARÁTER TRANSGENÉRICO DE "ENTE"
— Ludger Honnefelder
Com esse resultado Scotus ainda não vê de forma alguma eliminada a objeção de que a predicabilidade unívoca de "ente" traz para si a aporia que já Aristóteles associou à tese do "ente" como um universal (de gênero).
Afinal, em Ord. I, d. 3, p. 1, q. 3, no âmbito da simplicidade de Deus, ele trata propriamente do problema lançado por Aristóteles e aborda, em Ord. I, d. 8, p. 1, q. 3, a objeção orientada na argumentação de Henrique de Gand de que a 'univocatio entis' destrói a diferença primaz entre criador e criatura.
De Aristóteles Scotus adota tanto o argumento de que um gênero não pode ser dito de suas diferenças, e por isso mesmo "ente" não pode ser gênero, uma vez que, de outro modo, as diferenças específicas são "não-ente" (cf. Ord. I, d. 3, p. 1, q. 3, n. 152; ed. Vat. III 94), como a conclusão ligada a isso de que "ente" não é predicado univocamente, sua utilização (tal como no exemplo "saudável") ocorre antes "multiplamente", a saber, na forma de uma "relação com um" (attributio ad unum)
(Ord. I, d. 3, p. 1, q. 3, n. 153; ed. Vat. III 94).
Além disso, caso "ente", como se poderia objetar junto com Henrique de Gand, fosse predicado em todas as dez categorias igualmente dos sujeitos de referência, ele cairia no vazio como determinação e se transformaria em "palavrório vazio" (cf. Ord. I, d. 3, p. 1, q. 3,
n. 157; ed. Vat. III 95).
Em ambos os primeiros casos, Scotus em certa medida inverte o argumento: a partir da afirmação de que "ente" não é dito da diferença em uma 'propositio per se primo modo' não se segue que ela é "não-ente"; afinal, também a partir da proposição "(Ser) racional não é como tal idêntico com animal" (rationale non est per se animal) não se segue "(Ser) racional é como tal um não-animal" (rationale per se non-animal) (cf. Lect. I, d. 3, p. 1, q. 1-2,
n. 123; ed. Vat. XVI 272).
A diferença dos modos de predicação e a diferença primária que se coloca atrás de si entre 'quid' e 'quale' não suspendem a unidade de significado.
A multiplicidade dos modos de predicação de "ente" afirmada por Aristóteles não é nenhum argumento contra essa unidade de significado;
isso ela seria somente se apresentasse uma equivocação pura e se os dez gêneros superiores fossem modos de determinação últimos, para além dos quais nada comum pudesse mais ser predicado.
Justamente isso Aristóteles não quer dizer. Sua remissão à 'attributio ad unum', sobre a qual repousa o modo de predicação de "ente", não é mais, portanto, do que a afirmação de que "ente" possui uma "comunidade extraordinariamente grande" (nimia comunitas), a saber, uma comunidade que é de outro tipo que a da 'propositio per se primo modo', tal como ela é atribuída às determinações de espécie e de gênero — o que, porém, também não está afirmado com a tese da univocação (cf. Ord. I, d. 3, p. 1, q. 3, n. 158; ed. Vat. III 95 ss.).
Caso a ordem essencial deva poder ser conservada entre os gêneros superiores, como Aristóteles a descreve, então a 'attributio ad unum' no modo de utilização de "ente" afirmada por Aristóteles tem de repousar em uma unidade pressuposta pela diferenciação categorial e em uma comunidade de significado do conceito (cf. Ord. I, d. 3, p. 1, q. 3, n. 163; ed. Vat. III 100 s.).
Também a objeção de que a predicabilidade unívoca incorre na tese eleática só seria verdadeira se — assim demonstrado no exemplo discutido do atributo transcendental "uno" (unum), igualmente predicado univocamente — a proposição "Todas (as coisas) são (a cada vez) uno" (omnia sunt unum) tivesse o mesmo significado que a proposição "Todas (as coisas) são este uno" (omnia sunt noc unum)" (cf. Ord. I, d. 3, p. 1, q. 3, n. 166; ed. Vat. III 103).
A resposta à objeção de que uma predicabilidade unívoca de predicados destrói a diferença primaz que separa Deus e a criatura e a substância do acidente fixa-se na INDIFERENÇA em que o conteúdo de "ente" se relaciona com a "primeira divisão" (prima divisio) absolutamente, à qual seguem todas as diferenciações categoriais adicionais nesse ou naquele ente, a saber, a divisão nos modos "finito" (finitum) e "infinito" (infinitum) (cf. Ord. I, d 8, p. 1, q. 3, n. 101; ed. Vat. IV 199 s.).
Afinal, aqui — eis a tese — reside uma diferenciação que ultrapassa a divisão categorial e não segue mais o esquema de determinação de gênero e espécie, em que sempre o determinável exclui o determinante.
À "comunidade extraordinariamente grande" de "ente" corresponde uma INDIFERENÇA TRANSCENDENTAL (cf. Ord. I, d. 8, p. 1, q. 3, n. 114; ed. Vat. IV 206).
Com isso pode ser também definido o que tem de valer como uma "determinação transcendente" (transcendens).
Todas as determinações que transcendem os dez gêneros supremos, participam na indiferença de "ente", não caem sob nenhum gênero mais elevado e para as quais, além de "ente", não há nenhum "predicado supraveniente" (praedicatum supraveniens) têm o caráter de uma determinação transcendental (convertível ou disjuntiva) de "ente" (cf. Ord. I, d. 8, p. 1, q. 3, n. 114; ed. Vat. IV 206).
Mas — assim Scotus contrapõe — podem dois sujeitos, que se comportam um com o outro como dois extremos de uma oposição contraditória, conter em absoluto um momento comum?
Justamente tal oposição contraditória — assim reza a resposta — não se encontra aqui; afinal, a oposição contraditória a um ente-dependente seria, justamente como aquela a um ente-necessário, o "nada".
Portanto, tem de haver um momento mínimo de comunidade, e esse momento mínimo tem de preservar seu caráter de não ser "idêntico a partir de si com nenhum (de dois sujeitos)" (neuter ex se), quando ambos os sujeitos se comportam um com o outro a modo de oposição (cf. Ord. I, d. 8, p. 1, q. 3, n. 46; ed. Vat. IV 171), tal como toda pluralidade e diferença do igual de categoria pressupõem um comum (cf.
Ord. I, d. 8, p. 1, q. 3, n. 84; ed. Vat. IV 192 s.).
"A outridade conota (sempre) uma conveniência dos extremos no determinável respectivo e designa ao mesmo tempo uma não-identidade a ela correspondente" (alietas connotat aliquam convenientiam extre-morum in suo determinabili, et etiam notat aliquam non-identitatem correspondentem eidem: Rep. I A, d. 4, q. 1, n. 9, apud ed. Vat. IV
193).
Também uma relação de participação pressupõe algo em geral, em que os sujeitos da relação concordam (cf. Ord. I, d. 8, p. 1, q. 3, n. 86; ed. Vat. IV 193 s.).
O aspecto fundamental, também nos argumentos mencionados por último, reside no tipo de comunidade que se atribui ao conceito de "ente", transcendental e indiferente a partir de si, e que não é caracterizada através da delimitação que é necessariamente ligada a um universal de gênero.
Tanto mais urgente é perguntar de que modo, então, uma comunidade de uma determinação indiferente e como tal capaz de determinação mais estreita deve ser pensada, determinação que não segue o esquema categorial de determinação.
Afinal, no caso de Deus e da criatura (semelhantemente no caso da substância e do acidente) temos de partir do fato de que "eles em realidade são-primariamente diferentes, porque não convêm em nenhuma realidade" (sunt […]primo diversa in realitate, quia in nulla realitate conveniunt: Ord. I, d. 8, p. 1, q. 3, n. 82; ed. Vat. IV 190).
Porém, como pode haver "um conceito comum sem conveniência na coisa ou na realidade" (conceptus communis sine convenientia in re vel in realitate: ibid.)?
A resposta deve ser visualizada na diferenciação existente e já mencionada no caso de "ente" entre uma qualidade determinada (tal como a cor branca ou um determinado tom) e o "modo intrínseco" (modus intrinsecus), isto é, o grau de intensidade (intensio) na qual a cor em questão e por consequência o tom respectivo se encontram (cf. Ord. I, d. 8, p. 1, q. 3, n. 138; ed. Vat. IV 222).
A diferença decisiva para o esquema categorial de determinação reside, nesse caso, em que a contração da qualidade determinável não ocorre por acréscimo de uma determinação objetiva (realitas ou formalitas) diferente dela, mas só através do modo que, na coisa, não é diferente da qualidade contraída.
Seja em que grau de intensidade se der a qualidade respectiva, ela sempre forma "um simples em todo aspecto, segundo a coisa" (simplex omni modo in re: Ord. I, d. 8, p. 1, q. 3, n. 138; ed. Vat. IV 222).
Caso uma 'realitas' seja apreendida em seu modo intrínseco como esse simples em si, dá-se uma apreensão perfeita em um conceito adequado.
Contudo, uma vez que a 'realitas' em seu modo intrínseco é com efeito simples, mas não é absolutamente simples, sua simplicidade não exclui que a 'realitas' seja apreendida sem seu modo intrínseco, em um conceito imperfeito, porém produzido a partir da própria coisa.
Justamente essa diferença entre uma qualidade e seu modo intrínseco, por um lado, e entre a apreensão imperfeita e deficiente dela Scotus aplica ao conhecimento de "ente" e entende o conhecimento abstrativo de "ente" como a apreensão imperfeita de uma 'res' (sine modo), a qual, na apreensão adequada perfeita, mostra-se como 'res sub modo', ou seja, como esse ente concreto plenamente determinado (cf. Ord. I, d. 8, p. 1, q. 3, n. 140; ed. Vat. IV 223).
Renovadamente Scotus estatui para o conhecimento de "ente" como da determinação transcendental fundamental de todo ente um modo de conhecimento epistemologicamente específico.
É a imperfeição da representação intencional que, nesse caso, permite o conhecimento da comunidade transcendental (não excludente) da 'ratio entis ut entis'.
Sem dúvida, Scotus mantém firme que é a própria coisa que produz, aqui, como causa parcial, o conceito e empresta-lhe o caráter de um conceito real (conceptus realis), também se ela exerce essa causalidade como "res imperfecta", isto é, como 'res sine modo', de maneira que o conceito produzido apresenta um "conceito imperfeito" (conceptus imperfectus) da coisa produzida (cf. Lect. I, d. 3, p. 1, q. 1-2, n. 129; ed. Vat. XVII 46 s.).
Porém, uma vez que a própria coisa efetiva, como concausa, esse conceito, Scotus parte do fato de que a 'distinctio modalis', ou seja, a diferenciação de 'res' e 'modus', apresenta uma "distinção na coisa" (distinctio in re) que, com certeza, não deve ser equiparada nem àquela entre 'res' e 'res' nem àquela entre duas 'realitates' ou 'formalitates', a qual, contudo, não tem de valer como uma distinção puramente produzida pelo intelecto, mas como uma diferenciação que aparece no conhecer, sendo, porém, prévia ao conhecer.
Mais uma vez, torna-se visível o argumento normativo para a 'univocatio entis', de que a certeza com a qual algo é apreendido como "ente" junto à dúvida simultânea com respeito a seu modo intrínseco é um indicador de que é apreendida uma determinação na própria coisa e, com efeito, sua determinação fundamental.
Também o ente infinito é apreensível sob tal conceito imperfeito, sem que com isso seja trazida uma imperfeição a esse ente.
Com efeito, "ente" como conceito imperfeito é determinável através do modo intrínseco, sem dúvida isso não significa que ele é "positivamente finito" (positive finitus), o que proibiria um enunciado do ente infinito.
Com efeito, ele também não é infinito; afinal, isso proibiria sua predicabilidade comum do ente finito e infinito.
Por isso mesmo, Scotus o denomina "negativamente finito" (negative finitas), na medida em que ele, como tal, ainda não diz nenhuma infinitude, mas é "a partir de si indeterminado ao finito ou ao infinito" (de se indifferens ad finitum et infinitum: Ord I, d. 8, p. 1, q. 3, n. 141; ed. Var. IV 223 s.).
[27/12 18:30] Yuri Fagundes 2: ADENDO:
No esquema de determinação entre gênero e espécie, dizer que o determinável sempre exclui o determinante significa que o conceito mais amplo (determinável) não inclui as especificidades do conceito mais restrito (determinante).
Por exemplo:
1. Gênero (determinável): “Animal” é um conceito amplo e genérico.
2. Espécie (determinante): “Gato” é um conceito mais específico, que pertence ao gênero “Animal”, mas adiciona características que não se aplicam a todos os animais (como ter quatro patas, ser felino, etc.).
A exclusão ocorre porque o determinável (“Animal”) abrange uma multiplicidade de possibilidades (incluindo gatos, cachorros, aves etc.), mas não contém as características particulares que definem cada espécie específica.
Em outras palavras, o determinável fornece uma base geral, enquanto o determinante acrescenta particularidades que o afastam da generalidade do determinável.
Isso reflete uma hierarquia lógica: o gênero é mais geral e indeterminado, enquanto a espécie introduz as diferenças
Comentários
Postar um comentário