O CONCEITO DE CATOLICIDADE NO COMONITÓRIO DE SÃO VICENTE DE LÉRINS


Yuri Fagundes 

O conceito de catolicidade de Vicente de Lérins, expresso em sua obra Commonitorium, apresenta um critério triplo para a determinação da verdadeira fé cristã: “o que foi acreditado sempre, em todos os lugares, e por todos” (quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est). 

Esse princípio destaca a universalidade, a antiguidade e o consenso como marcas da autêntica tradição cristã. 

No entanto, ele também reflete uma visão dinâmica e plural da Igreja, que reconhece a necessidade de discernimento dentro da história e da diversidade das comunidades cristãs.

Esse conceito pode ser usado para questionar a ideia de uma “Igreja Una” concebida pelos círculos católicos romanos mais tradicionalistas como uma unidade monolítica, centralizada exclusivamente na autoridade do Papa e na doutrina da Igreja de Roma. 


A falácia dessa visão pode ser refutada com base em três pontos principais:

  1. Universalidade não restrita a Roma: 


Vicente de Lérins enfatiza a universalidade da fé cristã como algo que transcende qualquer igreja local ou particular. 


A ênfase na catolicidade implica que a verdadeira fé deve ser encontrada em toda a Igreja, abrangendo as diversas tradições eclesiais (como as Igrejas Orientais e as diversas comunidades cristãs antigas), não apenas na tradição romana.


2. Antiguidade versus desenvolvimento doutrinal unilateral: 


Segundo Vicente, a fé autêntica é aquela que remonta às origens apostólicas. 


No entanto, a Igreja Romana, especialmente em sua teologia pós-Tridentina e nas definições dogmáticas dos séculos XIX e XX (como a infalibilidade papal no Vaticano I), incorporou elementos que não encontram eco claro na prática ou na teologia da Igreja primitiva. 


Esse desenvolvimento unidirecional pode ser interpretado como uma ruptura com o critério de antiguidade.


3. Consenso histórico versus centralização papal: 


O critério de consenso de Vicente sugere que a verdadeira fé é aquela que foi aceita por toda a Igreja, não apenas por um segmento ou liderança específica. 


A centralização da autoridade em Roma, especialmente após a separação com as Igrejas Orientais no Grande Cisma de 1054, contradiz esse princípio de consenso eclesial. 


A rejeição da supremacia papal pelas Igrejas Ortodoxas, por exemplo, demonstra que essa concepção de unidade não é universalmente aceita.


Portanto, a concepção de catolicidade de Vicente de Lérins refuta a ideia de uma “Igreja Una” como monopólio da Igreja Romana, apontando para uma visão mais ampla, inclusiva e plural da unidade cristã, que não pode ser reduzida à centralização institucional ou a uma interpretação dogmática específica.


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