A CONTROVÉRSIA ENTRE BELARMINO E OS DOMINICANOS

 Yuri Fagundes

A controvérsia envolvendo o cardeal Roberto Belarmino (1542–1621) e os dominicanos insere-se no contexto mais amplo do debate teológico sobre a predestinação e a relação entre a graça divina e o livre-arbítrio na teologia cristã durante o período da Contrarreforma. 

Esse debate girava em torno de como conciliar a soberania absoluta de Deus com a responsabilidade humana na salvação.


Contexto Geral

No final do século XVI e início do XVII, a Igreja Católica buscava responder às ideias reformistas de Lutero e Calvino, que enfatizavam a predestinação incondicional e a graça irresistível. 


Dentro da própria Igreja, havia diferentes correntes sobre como interpretar a cooperação entre graça e livre-arbítrio.


Os principais grupos no debate eram:


1. Dominicanos (representados por figuras como Domingo Báñez): 


defendiam o tomismo, segundo o qual Deus, em Sua soberania, predestina alguns à salvação desde toda a eternidade. 


Essa visão inclui a doutrina da graça eficaz e o conceito de praemotio physica (uma “moção física” de Deus que determina o ato humano).


2. Jesuítas (com Roberto Belarmino e Luís de Molina como principais representantes): 


enfatizavam a liberdade humana no processo de salvação e desenvolveram a teoria do concurso simultâneo e da ciência média (ou “scientia media”), segundo a qual Deus prevê como cada pessoa usaria seu livre-arbítrio em diferentes circunstâncias, sem comprometer sua liberdade.


O Papel de Belarmino

Roberto Belarmino, como teólogo jesuíta e cardeal, participou intensamente desse debate, apoiando a visão que buscava preservar o papel significativo do livre-arbítrio humano, ao mesmo tempo que reconhecia a necessidade da graça divina para a salvação. 


Ele contestava a visão dominicana por considerar que ela poderia comprometer a liberdade humana e dar uma ênfase excessiva à predestinação divina.


A Controvérsia

A controvérsia ganhou destaque em torno de 1588, quando Luís de Molina publicou sua obra “Concordia liberi arbitrii cum gratiae donis” (“A Concórdia do Livre-Arbítrio com os Dons da Graça”). 


A obra provocou resistência por parte dos dominicanos, que acusaram os jesuítas de minimizar a soberania de Deus.


Belarmino defendia a visão molinista, argumentando que a ciência média oferecia uma solução que respeitava tanto a soberania divina quanto o livre-arbítrio. 


Os dominicanos, por outro lado, sustentavam que essa teoria comprometia a eficácia da graça divina, tratando Deus como dependente das decisões humanas.


A Congregação de Auxilia

Para resolver o impasse, o papa Clemente VIII convocou a Congregação de Auxilia (1597–1607), um comitê teológico que reuniu jesuítas e dominicanos para discutir a questão. 


No entanto, o papa Paulo V, sucessor de Clemente VIII, decidiu encerrar os debates sem emitir uma decisão definitiva, permitindo que ambas as posições fossem toleradas dentro da Igreja.


Conclusão

Embora não tenha havido uma resolução formal, a controvérsia entre Belarmino e os dominicanos destaca a complexidade das questões teológicas sobre graça, predestinação e livre-arbítrio. 


Esse debate reflete a tentativa da Igreja Católica de encontrar um equilíbrio doutrinário frente aos desafios colocados pela Reforma Protestante e pelas divergências internas.




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