Patrística - conduta e salvação em Clemente de Alexandria - parte 2

 



Religião e Filo

Como legítimo representante dos primórdios do Cristianismo, Clemente de Alexandria prega muito a importância da religião e a necessidade de que o povo a compreenda, para que ele adquira boas e corretas palavras que vão norteá-lo rumo à salvação perante Cristo.

Altamente influenciado pelos ideais neoplatônicos, o alexandrino não vê, como outros padres do período, apenas aspectos maus na cultura pagã. É bem o contrário, o conhecimento grego vai justamente facilitar que as pessoas compreendam melhor os ensinamentos do Senhor. Clemente chega a atribuir grande importância à filo, a tal ponto de compará-la à Bíblia, em termos da justificação que era lançada sobre gregos e hebreus, respectivamente. Há a valorização da filo sobre as demais ciências. "Antes de la venida del Señor, a filo era necessaria para la justificación de los griegos; ahora, sin embargo, es provechosa para la religión".

Para Clemente, havia "níveis" de fé, e as pessoas poderiam ser "fiéis simples" ou com um grau maior de elevação. O grande objetivo do alexandrino era o de fazer surgir uma ciência da religião, tendo a fé como critério racional de juízo, de onde surgiriam os gnósticos – "cristãos superiores" – que associavam conhecimento racional às palavras sagradas: "(...) la filosofía contribuye a la adquisición de la sabiduría (...) es una práctica de la sabiduría". Clemente via a importância de que fosse significativo o número de fiéis gnósticos, mas sabia da dificuldade desse acontecimento: "La gnosis no es patrimonio de todos (...); sin embargo los libros son feitos para las multitudes".

Em suma, o gnóstico seria "um cristão ideal, que alcançou a ciência e vida espiritual perfeitas, na medida que podem ser alcançadas neste mundo"; apenas o gnóstico seria capaz de comunicar a doutrina verdadeira sem distorcê-la – exatamente pelo fato de conhecê-la de forma mais profunda. A fé simples é aquela que crê apenas no que diz as Escrituras, sem nenhuma atividade de investigação. A filo, ou qualquer outra forma de conhecimento, vem a ser útil para se ter uma fé mais segura, mais forte; para que se possa distinguir com toda certeza o bem e o mal, "la herejía de la verdad misma". E ainda: "La actividad racional regenera al alma y la orienta hacia una conducta intachable".

Através da filo, o espírito humano teria maior predisposição para entender e conhecer melhor as coisas divinas. E ainda sobre a união fé/filo: "La cuerda más alta (de la lira) se opone a la más baja, pero de ambas resulta una única ía musical; (...) el número par és diferente del impar, y sin embargo ambos son necessarios en la aritmética". Associando-se à filo grega, o Cristianismo proposto por Clemente faria, agora, de aliado um antigo inimigo (representante fundamental da cultura pagã).

A defesa da religião frente aos ataques dos hereges e dos sofistas é também fundamental na obra do padre cristão. A sofística, através do seu forte discurso, denigre o verdadeiro em função de algo falso (poder de persuasão); é uma "má arte" no entender do alexandrino. Os sofistas seriam "lobos saqueadores con pieles de oveja, que esclavizam los hombres y suceden con elocuencia a las almas" . O padre alexandrino não admite que a doutrina sagrada seja posta em comparação. Deve-se evitar as palavras desnecessárias: "Quienes pretenden participar de las palavras divinas deben estar muy atentos no sea que refiriendo lo superfluo" . Na sua tarefa de persuasão, a sofística impediria o desenvolvimento do conhecimento a partir das próprias pessoas; elas seriam, assim, guiadas pelo discurso de outrem, onde não haveria espaço para a livre reflexão.

Mesmo entendendo a necessidade de não deixar de lado a filo, é importante ressaltar que as palavras santas são bastante superiores ao conhecimento dos gregos. Ou seja, a religião pode sobreviver sem a filo (que é um catalisador, uma facilitadora da religião), mas o contrário não pode ocorrer. "Los filósofos son niños, a menos que se hagan totalmente hombres por obra de Cristo". A junção entre a tradição humana (filo) e a divina (fé) seria, desse modo, de dupla utilidade – tanto para a religião como para a filo. Por fim, temos que a fé seria, também, um filtro para a entrada das palavras sagradas. Seria um subsídio necessário para a compreensão desses conhecimentos: "Se não credes, não compreendereis" .




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