A Verdadeira História dos Batistas? - Parte 2 - dois tipos de batistas
3. Os batistas gerais e os batistas particulares
A origem dos batistas na Inglaterra está associada a dois grupos distintos, comumente chamados de batistas gerais e batistas particulares. Esses termos denotam a distinção quanto a perspectiva soteriológica, em especial quanto à extensão da expiação de Cristo. Os batistas gerais (arminianos)[16] defendiam a morte de Cristo como uma expiação ilimitada e indefinida, suficiente para salvação de todos, mas incerta quanto ao número de redimidos. Os batistas particulares (calvinistas[17]) pregavam que o sacrifício de Cristo havia sido definido, exclusivo e eficaz somente em favor dos eleitos de Deus.
Os batistas gerais
Entre os batistas gerais, os dois nomes mais importantes são John Smith e Thomas Helwys. Desde o início do século XVII, ambos foram as duas personalidades que mais influenciaram os passos dos primeiros batistas no contexto do movimento separatista inglês. Refugiados na Holanda por conta da perseguição, Smith e Helwys receberam forte influencia dos anabatistas holandeses da escola de Menno Simons.
John Smith (1570-1612) foi ordenado ministro da Igreja da Inglaterra em 1594. Fruto do seu tempo, Smith também foi influenciado pelo movimento puritano e rejeitou a liturgia da Igreja Anglicana. O Dr. Michael Haykin afirma que no outono de 1607, Smith assumiu sua posição Separatista e se uniu a uma congregação na “cidade de Gainnsboroough, em Lincolshire, na divisa de Nottinghamshire”.[18]
A ruptura definitiva de John Smith com o anglicanismo aconteceu em 1609. Em seu tratado The Character of the Beast (O Caráter da Besta), ele contesta a validade do batismo de infantes e reconhece apenas o batismo de pessoas capazes de fazer pública profissão de fé. Estas convicções o levaram a batizar a si mesmo e, em seguida, batizar aos membros de sua congregação. Tal atitude gerou um grande desconforto entre os separatistas ingleses, na sua maioria, à época, pedobatistas[19].
Inconstante e inconsistente em sua teologia, Smith entendeu que, uma vez que seu batismo na Igreja da Inglaterra tinha sido falso, ele deveria ser novamente batizado. Ele o fez, batizando a si mesmo, tendo logo em seguida, batizado a todos os membros de sua igreja. Além das críticas separatistas, Smith e seu grupo foram curiosamente criticados por um grupo holandês chamado de Waterlanders, ligado aos menonitas. [20]
Os Waterlanders[21] criticaram a prática de Smith, o qual não apenas acatou a crítica como também se dispôs a compreender melhor a teologia deles. Smith e sua congregação mudaram-se para a Holanda. Nesse tempo, sob influencia dos Waterlanders, Smith tornou-se arminiano e rompeu com o calvinismo predominante entre os separatistas ingleses. Ele e mais quarenta e duas pessoas submeteram-se ao batismo administrado pelos Waterlanders. Smith foi um personagem controverso[22].
No ano de 1609, Smith elaborou uma Breve Confissão de Fé com 20 artigos. Esse documento é fonte primária para conhecer seu pensamento e crenças. No artigo 14, ele nega a validade do batismo de infantes, rompendo com a visão dos Anglicanos e dos Separatistas “[Nós cremos com o coração e com a boca confessamos:] que o batismo é um sinal externo da remissão de pecados, de morte e ressurreição e, portanto, não pertence aos infantes”[23]. A posição defendida por Smith é a do credobatismo, que viria a ser adotada pelos batistas gerais e particulares. No entanto, outros posicionamentos teológicos de Smith foram os rejeitados pelos batistas. A clássica doutrina do pecado original foi negada em favor de uma posição pelagiana: “[Nós cremos com o coração e com a boca confessamos:] que não há pecado original (lit., nenhum pecado de origem ou descendência), mas todo pecado é real e voluntário, isto é, uma palavra, uma ação ou um plano contra a lei de Deus; e, portanto, infantes estão sem pecado”[24]. Como se não bastasse, Smith também negou as doutrinas da doutrina da eleição (art. 2) e da justificação somente pela fé (art. 10):
“[Nós cremos com o coração e com a boca confessamos:] que a justificação do homem perante o tribunal divino (que é o trono da justiça e da misericórdia) consiste, em parte, na imputação da justiça de Cristo apreendida pela fé, e em parte da justiça inerente, nos próprios santos, pela operação do Espírito Santo, que é chamada de regeneração ou santificação; uma vez que alguém é justo, ele pratica a justiça”.[25]
Thomas Helwys (1575-1616), um dos que acompanharam Smith à Holanda, tornou-se o principal líder dos Batistas Gerais. A despeito de abraçar a soteriologia arminiana herdada dos Waterlanders, Helwys era ortodoxo em suas convicções teológicas basilares. Em 1611, ainda na Holanda, ele publicou uma Confissão de Fé[26]. Helwys, desconfortável com os sinais de inconsistência teológica de Smith, liderou o regresso de alguns membros da congregação à Inglaterra (1612). De volta à terra natal, eles fundaram em Spitalfields, nos arredores de Londres, a primeira igreja Batista em solo inglês, uma pequena congregação com aproximadamente dez membros. A política de perseguição aos não conformistas estava em pleno vigor. Logo depois de seu retorno à Inglaterra, Thomas Helwys foi preso e veio a falecer entre os anos de 1615 e 1616. O Dr. Michael Haykin afirma que, nos anos seguintes, os Batistas Gerais experimentaram um relativo crescimento. Por volta de 1626, somavam aproximadamente 150 membros espalhados em pequenas congregações na Inglaterra. No entanto, foram quase extintos no final século XVIII. Duas razões principais são apontadas para explicar esse declínio: a estranha resistência em construir edifícios eclesiásticos e a política sectária de endogamia (casamento exclusivo entre membros da própria igreja). Portanto, embora os Batistas Gerais sejam mais antigos do que os Batistas Particulares, sua influência e seu legado foram menores. “Os Batistas Gerais sempre representaram uma parte pequena da vida Batista na Inglaterra, e uma parte ainda menor na América. Sua influencia sobre as principais correntes do movimento Batista nesses países parece ter sido mínima”. [27]
Os batistas particulares
Até cerca de 1640 tínhamos aquele tipo de original de puritano que era essencialmente anglicano e que, naturalmente, não era separatista; depois tínhamos o tipo puritano presbiteriano, também não separatista; depois, exatamente no outro extremo, tínhamos os separatistas muito francos, claros e abertos. Mas então veio à existência esse novo grupo, parece-me, por volta de 1605, muito definidamente como resultado do entendimento deste homem, Henry Jacob.[28]
O doutor Martyn Lloyd Jones, respeitado estudioso do movimento puritano e seus sucessores, atribui a Henry Jacob (1563-1624) a organização da primeira Igreja Congregacional moderna. Jacob foi um clérigo inglês que buscou reformar a Igreja da Inglaterra. Decepcionado com os rumos do anglicanismo, aderiu ao separatismo e refugiou-se na Holanda (1593). Em 1616, de volta à Inglaterra, iniciou uma congregação que seria conhecida pelo nome de seus três primeiros pastores: Henry Jacob, John Lathrop, e Henry Jessey (JLJ). Esta igreja pode ter sido a semente da primeira igreja batista particular. Em 1637, Henry Jessey assumiu o pastorado desta igreja e foi muito habilidoso na condução da igreja que cresceu exponencialmente. Aquele era um tempo difícil. O século XVII foi marcado por muitas controvérsias e existiam vários grupos dissidentes que debatiam sobre o conceito bíblico de batismo e a natureza da igreja. Jessey e outros separatistas, como Thomas Goodwin e Philip Nye, defenderam que não deveriam ser excomungados nem admoestados aqueles que, por questão de consciência, fossem rebatizados. Jessey era um homem piedoso, sábio e moderado. Depois de examinar a questão, ele adotou o credobatismo, em 1638. Três anos depois, em 1641, defendeu o batismo por imersão. Até então, o batismo era administrado por afusão ou aspersão em todas as igrejas batistas.
“Jessey se convenceu que devia tornar-se batista; não obstante, a princípio ele não foi batizado. Contudo, dentro de muito pouco tempo ele foi rebatizado, mas continuou sendo o pastor daquela igreja congregacional. Finalmente, alguns dos batistas mais zelosos foram-se e formaram uma igreja deles próprios – uma igreja batista independente, separada”.[29]
A igreja cresceu a ponto de o espaço físico ficar pequeno para atender os congregados. Por volta do ano de 1640, afirma o doutor Michael Haykin, a igreja se dividiu em duas a fim de poder continuar crescendo. Um grupo saiu em paz e fundou uma nova congregação, sob a liderança de Praise-God Barebone (1598-1676). De fato, “os Batistas Particulares surgiram no contexto de uma congregação separatista, depois conhecida pelo nome de três pastores: Jacob, Lathrop e Jessy. Tendo adotado o batismo dos crentes em 1638, eles afirmaram o batismo por imersão em 1641 e em 1644 produziram uma Confissão de Fé”.[30]
John Spilsbury se destaca como um nome de peso na tradição batista reformada. Muito provavelmente ele também foi membro da igreja JLJ e esteve sob o pastorado de Henry Jessey. Spilspbury organizou uma igreja em Londres, na região de Wapping, que seria a “primeira a abraçar definitivamente a causa Batista Calvinista”.[31] Sua igreja cresceu e, por volta de 1670, reunia aproximadamente trezentas pessoas nos cultos dominicais. John Spilsbury é considerado o primeiro pastor de uma igreja batista particular, claramente identificado. Ele exerceu grande influência sobre outros pastores e ajudou a fortalecer o movimento batista calvinista inglês. “Como expressão da teologia de Spilsbury e de outros pastores batistas particulares de Londres, a Primeira Confissão de Londres foi decidida e claramente calvinista”[32], afirma Netlles.
Hanserd Knollys (1599-1691), William Kiffin (1616-1701), Benjamin Keach (1640-1704), Henry Jessey (1601-1663) e John Bunyan (1628-1688), entre outros, permanecem como representantes da convicção firme, da piedade fervorosa, da pregação poderosa e da ortodoxia teológica dos batistas particulares do século 17. Embora algumas diferenças quanto à ceia e à membresia eclesiástica tenham existido naqueles dias de egressão do separatismo, havia unidade na soteriologia.[33]
Os batistas particulares cresceram exponencialmente a partir da segunda metade do século XVII. Somavam-se sete igrejas em Londres e 47 espalhadas em toda Inglaterra. Os batistas seguiram crescendo e alguns nomes foram consolidados como os pioneiros do movimento batista calvinista na Inglaterra. O crescimento nesse período não foi maior por conta da intensa, cruel e injusta perseguição sofrida. A restauração da monarquia na Inglaterra, sob o reinado de Carlos II, implicou em um período de grandes provações para os batistas e outras igrejas independentes. Houve inúmeras prisões e mortes por questões de natureza política e religiosa. Muitos buscaram refúgio na Alemanha, Holanda, e em outros países da Europa, até mesmo na América (onde os batistas seriam a maior denominação evangélica). A promulgação do Ato de Tolerância (1689) foi decisiva para ajudar os batistas a continuarem crescendo na Inglaterra e se espalharem por outras partes do mundo.
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