A Verdadeira História dos Batistas? Uma pesquisa Profunda - parte 1
Os batistas e sua herança reformada
SOBRE O AUTOR
Judiclay S. Santos
Assim diz o Senhor: Ponde-vos nos caminhos, e vede, e perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho, e andai por ele.[1]
O presente ensaio tem como propósito apresentar um panorama sobre a história dos batistas e sua herança reformada. Faremos uma análise acerca das origens, as influências e o legado dos batistas. Onde e como surgiram? Existe um fundador? Quais são as tradições teológicas que influenciaram os primeiros batistas? Os batistas têm uma herança calvinista? Em primeiro lugar, mostraremos as raízes históricas dos batistas no contexto puritano, sob a influência do movimento separatista inglês. Em seguida, apresentaremos uma visão panorâmica dos primeiros batistas, seus principais nomes e as tradições teológicas herdadas, bem como suas contribuições e seu legado.
A história dos batistas é muito interessante e instrutiva. Um pequeno grupo de cristãos, sob circunstâncias adversas, cresceu e tornou-se um movimento global com milhões de membros em todo o mundo. O começo foi difícil e confuso, mas, sob a direção da Providência, os batistas cresceram e frutificaram. O pequeno grão de mostarda é hoje uma árvore frondosa. Os batistas, tal como outras denominações cristãs, surgiram a partir da Reforma Protestante do século XVI. A gênese dos batistas está vinculada aos desdobramentos históricos do protestantismo na Inglaterra.
Os batistas nasceram na Inglaterra do século XVII, no contexto do Puritanismo e do subsequente movimento Separatista inglês[2]. Existe uma estreita relação entre os acontecimentos na Inglaterra, sobretudo durante o reinado de Elizabete I, e o início do movimento batista. Os primeiros batistas eram ingleses que saíram da Igreja Anglicana e, tal como outros grupos dissidentes, deram início a novas denominações protestantes. Os puritanos e o movimento separatista inglês são o pano de fundo para entender o surgimento dos batistas, suas influências e algumas de suas marcas distintivas.
1. Os puritanos e o movimento separatista
A Reforma Protestante do século XVI foi um movimento de renovação espiritual que propôs um retorno às Sagradas Escrituras como uma espécie de prumo da graça, a partir do qual a igreja deveria alinhar suas doutrinas e práticas. Martinho Lutero, um dos principais líderes do protestantismo do século XVI, redescobriu o evangelho da graça como o verdadeiro tesouro da igreja. A Reforma foi um dos principais acontecimentos do milênio passado. Houve uma profunda e ampla mudança ética e espiritual na vida da Igreja. Não obstante ter sido primariamente um movimento de natureza religiosa, a Reforma Protestante teve implicações nas esferas políticas, econômicas, sociais e culturais. As reformas promoveram um poderoso impacto, capaz de reconfigurar a Europa e lançar as bases da sociedade moderna no mundo Ocidental.
A Reforma começou na Alemanha, mas em pouco tempo espalhou-se pela Europa. O rei Henrique VIII decretou o Ato de Supremacia (1534) e revogou a autoridade do Papa sobre a Igreja na Inglaterra. Havia motivações políticas e interesses pessoais na decisão do monarca inglês que passou a ser o “cabeça da Igreja” e a principal autoridade em matéria de fé. A Igreja Anglicana, com seus desdobramentos, seria o útero de muitas igrejas, inclusive das igrejas batistas. Com a morte de Henrique VIII, reinaram os seus filhos, Eduardo VI[3] (protestante) e, depois, Maria I[4] (católica). Nesse período houve intenso conflito entre católicos e protestantes e a Inglaterra ficou dividida. Sob o reinado de Elizabete I, foi feito um pacto nacional que buscou reconciliar a nação e promover a paz e a estabilidade política e religiosa. Na prática, o acordo elisabetano criou uma igreja híbrida, “calvinista em sua teologia, mas erastiniana em sua ordem e governo”.[5]
O movimento Puritano foi formado por ministros anglicanos que desejavam uma reforma mais profunda e ampla tanto na teologia quanto na vida da Igreja da Inglaterra. Muitos deles haviam buscado refúgio no continente e foram influenciados pelo movimento reformado na Suíça, especialmente em Genebra e Zurique. Alguns reformadores ingleses foram diretamente influenciados por João Calvino e outros reformadores. Os puritanos cresceram em número e em força e o desejo de purificar a igreja dos resíduos papistas era inamovível. “O interesse principal do puritano é por uma Igreja pura, uma Igreja verdadeiramente Reformada. O puritanismo começou com este interesse por uma Reforma completa, e isso levou a toda doutrina da Igreja.”[6]
No início do século XVII, a Inglaterra experimentou grandes mudanças. Com a morte de Elizabete I, chegou ao fim a dinastia Tudor. Tiago I, da família Stuart, passou a reinar. Ele era escocês e presbiteriano, o que ascendeu as esperanças dos puritanos quanto aos anseios de ter uma igreja mais amplamente reformada, sobretudo na liturgia e na forma de governo. No entanto, ao contrário do que se esperava, o rei Tiago I não promoveu as reformas desejadas pelos puritanos e, sob o reinado de seu filho, Charles I, houve uma intensa resistência ao movimento Puritano. Com a influência puritana no Parlamento Inglês, o conflito aumentou e a “Revolução Puritana” eclodiu. As tensões entre o rei, o Parlamento e a sociedade civil, envolveram a Inglaterra em uma guerra civil durante a década de 1640. O conflito foi intenso, com muitas implicações no campo religioso, mas também nas esferas políticas e sociais. Com a vitória do Parlamento, o rei foi julgado e condenado à morte. A Inglaterra passou a ser governada por Oliver Cromwell, sob o “Protetorado de Cromwell”.
Com a restauração da monarquia e ascensão de Charles II ao trono, houve uma nova tentativa de uniformizar a Igreja na Inglaterra. O Ato de Uniformidade (1662) foi um golpe terrível para a causa protestante na Inglaterra. O decreto determinou uma forma mais católica de orações públicas, o sacerdócio, os sacramentos, e outros ritos na Igreja da Inglaterra. Centenas de pastores puritanos foram obrigados a abandonar suas ordenações originais e serem reordenados sob essa nova forma da igreja do estado. As igrejas protestantes que não aceitaram o ato de uniformidade, por isso chamadas não conformistas, foram consideradas “dissidentes” e ilegais.
Os conflitos continuaram, pois, muitos ingleses já estavam, de corpo e alma, alinhados com a tradição reformada. Mesmo sob perigo, muitos ministros protestantes continuaram na Inglaterra, atuando clandestinamente e aderindo ao movimento separatista que daria origens às igrejas independentes. Outros não conformistas deixaram a Inglaterra e buscaram refúgio em alguns países do continente, onde a Reforma estava consolidada. Nesse período começou uma escalada migratória para as treze colônias inglesas do outro lado do Atlântico. Essas colônias formariam os Estados Unidos da América. A jovem nação, independente da Inglaterra, seria um solo fértil para o florescimento de muitas igrejas e um celeiro missionário para o mundo.
2. O surgimento dos batistas
“Quem são os batistas?” Ou, mais apropriadamente, “o que são os batistas?” Qualquer uma dessas perguntas acende um intenso debate tanto entre batistas quanto entre não batistas. Alguns sustentam que os batistas seguem um padrão neotestamentário da vida da igreja e, assim, as igrejas “batistas” têm suas origens na era apostólica (a teoria sucessionista). Contudo, outros argumentam que os batistas eram essencialmente um desdobramento do movimento separatista não-conformista da Inglaterra pós-Elizabeth, e que os batistas pertencem, portanto, à vertente congregacional do protestantismo. Uma terceira escola de pensamento modificou o argumento das origens inglesas e oferece evidências de que os primeiros batistas foram influenciados pelo movimento anabatista por meio do contato com menonitas holandeses no início do século XVII.[7]
A origem dos batistas não é consensual e tem sido objeto de debate entre os historiadores. “Os batistas existem como uma mistura complexa de muitos elementos, práticas e ideologias essenciais e opcionais.”[8] Há muitas controvérsias quanto às origens e até no que diz respeito ao nome batista.
A origem do nome é um dos pontos controversos dessa questão. Afirma-se que antes de John Smith não existiam batistas ou essa denominação, portanto o nome batista constar em “anabatista” é tão somente coincidência. Muitos também afirmam não haver uma origem “orgânica” do termo, isto é, anabatistas não tem relação com a origem dos batistas porque os “batistas gerais” originaram-se com John Smith e Thomas Hewlys, enquanto os “batistas particulares” teriam se originado com Henry Jacob, não tendo, portanto, qualquer ligação orgânica (formação de igreja ou membros anabatistas) com os anabatistas”[9]
Em linhas gerais, existem três teorias quanto à origem dos batistas. Apresentaremos um panorama das duas primeiras correntes, embora a primeira não tenha respaldo histórico nem apoio acadêmico e a segunda também seja contestável. Mais adiante, a terceira teoria será apresentada de um modo mais abrangente.
A teoria do sucessionismo, a despeito de ser historicamente infundada e inconsistente, é muito popular. Esta teoria tomou força a partir do movimento conhecido como “landmarkismo”[10]. Esse movimento surgiu no Sul dos Estados Unidos, em meados do século XIX, e partir do pressuposto de que existiria uma continuidade visível na história dos batistas, desde João Batista. Os principais proponentes dessa “teoria” foram os batistas norte-americanos, G.H.Orchard, J.M. Cramp e J.M. Carroll. Este último popularizou a ideia através do livro Rastro de Sangue, popularizou essa ideia, ainda hoje muito forte no ideário popular batista. Curioso notar que, para sustentar essa tese, foi preciso relacionar os batistas a diversos grupos no decurso da história, inclusive com movimentos heréticos como os Montanistas do quarto século! A teoria do sucessionismo é uma lenda landmarkista a partir da qual acredita-se cegamente em uma suposta linha sucessória e ininterrupta desde o tempo de João Batista até os dias atuais.
A segunda teoria defende que os batistas teriam sua origem nos anabatistas, supostos “parentes espirituais” dos batistas. O movimento anabatista é complexo e multifacetado. A reforma radical[11], postulada por grupos que pretendiam avançar mais na obra de reforma da Igreja, é um movimento que também teve grande impacto no século XVI e XVII. “Anabatista” era um termo pejorativo, aplicado de forma ofensiva aos protestantes que acreditavam e defendiam que o batismo só deveria ser administrado as pessoas regeneradas. Os anabatistas rejeitavam o batismo infantil e pregavam a necessidade de um novo batismo, tendo em vista que o primeiro não tinha validade. O movimento anabatista, embora heterógeno, passou a ter um significado genérico para qualquer grupo que defendesse o novo batismo. O radicalismo anabatista era pendular, movendo-se do pacifismo de Menno Simons ao anarquismo de Thomas Münster. Houve muitas injustiças, associações caluniosas e preconceituosas que estigmatizaram os anabatistas, criando uma permanente suspeição sobre eles. À guisa de exemplo, circulou na Inglaterra um documento anônimo que alertava o povo inglês sobre o espírito revolucionário dos anabatistas: “Um aviso para a Inglaterra, especialmente para Londres, na famosa história dos Anabatistas, suas pregações e práticas selvagens na Alemanha”[12]. Havia, portanto, um grande temor de que os acontecimentos perturbadores que ainda estavam vívidos na memória dos alemães se se repetisse na Inglaterra.
Curioso notar, como veremos mais adiante, que os batistas particulares, ao escreverem sua primeira confissão de fé, expressaram não terem vínculos com os anabatistas. Alguns batistas particulares temiam serem vinculados ao movimento anabatista, via de regra, desprezados por seu espírito anárquico e sectário. O documento conhecido como Confissão de Londres de 1644 considera uma injustiça vincular os Batistas aos Anabatistas.
A Confissão de Fé de sete congregações ou igrejas de Cristo em Londres, que comumente, mas injustamente, são chamadas de Anabatistas; publicada para a reivindicação da verdade e da informação dos ignorantes; Da mesma forma, para a remoção dessas aspersões que são frequentemente, tanto no púlpito quanto na imprensa, lançadas injustamente sobre elas.[13]
Diferentemente da teoria sucessionista, a origem anabatista dos batistas é defendida por muita gente séria, inclusive no meio acadêmico.
Aqui temos duas posições: uma de sucessão espiritual e outra de sucessão orgânica. Os defensores da teoria anabatistas são: Thomas Crosby, William R. Estep, Michael Yarnel III, L. Paige Patterson, David Benedict, Richard Cook, etc. Esta proposta teve origem no século XVIII, com Thomas Crosby (considerado o primeiro historiador batista) e parece ser o equilíbrio entre a primeira e a segunda.[14]
Do ponto de vista documental, existe um marco histórico seguro a partir do qual se pode se identificar a origem dos batistas. “A documentação da tradição batista surge quando as primeiras congregações “batizadoras”, assim chamadas, começam a aparecer por volta de 1608”[15]. A terceira teoria, defendida neste artigo, sustenta que os batistas surgiram do movimento separatista inglês no contexto do século XVII. Nos EUA, desde o século passado, esta é a teoria mais aceita e defendida. Estudiosos da envergadura de Kennet Lautorreth, August Strong, H. Leon McBeth, Chris Traffandest, Henry C. Vedder, Robert G. Torbet, B.R.White, bem como os atuais historiadores Timothy George, Thomas Nettles e Michael Haykin estão entre os que advogam essa teoria.
continua...
Comentários
Postar um comentário